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A lógica do Antropoceno

 
Com causa antrópica, efeitos globais vêm alterando muitos processos e ciclos naturais do planeta. A humanidade pode ter se tornado uma nova força geológica, capaz de causar alterações globais que perdurarão por milhares de anos, iniciando uma nova época na escala de tempo geológico da Terra.

Segundo o marcador radiológico, o Antropoceno poderia ser estabelecido a partir do século XX, quando a década de 1950 testemunhou testes de armas de fusão e fissão nuclear, na atmosfera, no subsolo e nas superfícies continental e oceânica. Já o marcador da composição atmosférica e padrão climático é mais antigo, datando do início da Revolução Industrial a partir do aprimoramento da máquina a vapor, à base de carvão, no final do século XVIII.

Ao analisar camadas de gelo estratigraficamente estáveis e bem preservadas, como nas calotas polares do Ártico e Antártica, fica cada vez mais evidente que recentemente alteramos de forma considerável a composição atmosférica planetária. Pela ampla queima de carbono fóssil para uso como combustível e queima de florestas para conversão em pastagens e plantações, introduzimos na atmosfera grandes quantidades de gases de efeito estufa.

O processo de aquecimento global tem um provável efeito adverso bem marcante ao longo da história de cíclico aquecimento e resfriamento da Terra: o aumento do nível médio dos mares. A maioria das instituições científicas de prestígio consideram que não há mais dúvida de que a humanidade esteja criando uma época de efeito estufa mais intenso, com tendência a um aquecimento de todo o planeta, alterando os padrões climáticos e elevando o nível médio dos mares.

Imagens de satélite e mapas cartográficos mostram que a maior parte da superfície continental da Terra foi direta ou indiretamente modificada para uso humano. Sobra cada vez menos espaço para as outras formas de vida, especialmente os grandes mamíferos e predadores.

Atualmente, obras humanas transportam mais sedimento do que todos os rios do mundo somados. As reservas de água da superfície continental, e de forma crescente as subterrâneas também, são desviadas, represadas, assoreadas e desperdiçadas massivamente, reduzindo o acesso ao suprimento de um recurso vital.

Os processos naturais de reciclagem do nitrogênio e fósforo estão sendo diretamente afetados pelo ser humano. Usados em grandes quantidades na agricultura, boa parte não é absorvida pelo solo. Nos rios, lagos e oceanos, áreas com excesso desses nutrientes são colonizadas por bactérias que comprometem a sobrevivência de outros organismos.

No centro dos grandes oceanos estão se formando cinturões de lixo, principalmente plástico. Esse lixo é comumente ingerido por diversas espécies animais, e sua toxicidade se acumula em seus organismos e nos que deles se alimentam, passa para as gerações seguintes, se espalha pelas águas e tende a se concentrar no sedimento do fundo marinho.

Os oceanos também absorvem boa quantidade do dióxido de carbono liberado pela atividade industrial, aumentando a acidez marinha, o que pode desequilibrar toda a teia alimentar oceânica e comprometer o suprimento do gás oxigênio que respiramos.

Mundialmente, a pesca vem dando sinais de demandar um esforço e custo cada vez maiores para capturar cada vez menos pescados. Trata-se do mesmo fenômeno de sobrexploração (exploração excessiva) pelo qual a caça terrestre passou há gerações. A taxa de mortalidade de muitas espécies de pescados de interesse comercial está superando a taxa de reposição desses estoques pesqueiros.

Por todos os continentes e oceanos, a grande e rápida capacidade de transporte humano está proporcionando a introdução de muitas espécies exóticas aos ambientes. Essas espécies competem com as locais e podem desequilibrar irreversivelmente todo o ecossistema. Com o avanço da engenharia genética, prolifera a criação e introdução de plantas e animais transgênicos, uma tendência que deve crescer nos próximos anos. Em laboratórios, começam a ser desenvolvidas revolucionárias formas de vida sintéticas, cujo potencial de transformação do mundo que conhecemos é ainda maior.

Assim como um pintor interessado em retratar artisticamente uma cena precisa dispor de uma paleta de pintura completa com as cores necessárias para representar o que observa, um pesquisador interessado em retratar cientificamente o Antropoceno precisa dispor de um conjunto completo de evidências das causas e efeitos da crise ambiental global. Nesse sentido, o quadro do Antropoceno está sendo pintado com muitas cores que alertam para o risco de extinção ou obsolescência da nossa própria espécie.

 

Bruno Martini

Oceanógrafo, Mestre em Dinâmica de Sistemas Costeiros e Oceânicos pela Universidade Federal do Paraná

 

 

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