MINISTÉRIO DA CULTURA E REDE D'OR APRESENTAM
APRESENTAÇÃO
Um estudante perguntou à antropóloga Margaret Mead: ‘qual é o primeiro sinal de civilização?’ Um pote de barro? Uma pedra lascada? Mead, então, respondeu: 'um fêmur curado'.
O achado arqueológico de um esqueleto de 15 mil anos com o fêmur cicatrizado após fratura sugere que alguém resgatou e cuidou do ferido, deu-lhe água e comida e o protegeu. Para a antropóloga, o primeiro sinal de civilização é a compaixão.
Mas se o que nos civiliza é a compaixão, o que dizem os fêmures do Valongo?
A despeito dos questionamentos filosóficos sobre a natureza humana, a história da humanidade é contraditória e, por vezes, desumana. A nossa linha do tempo é atravessada por guerras, genocídios e crimes humanitários brutais, quase sempre justificados por pensamentos hegemônicos que induzem à conformidade cega no reino dos animais pensantes. E hoje, nessa sequência histórica de barbáries institucionalizadas, jaz a civilidade nas ossadas de boi disputadas por pobres famintos no país do agronegócio.
Enquanto 'parecemos simular nossa desobrigação [...] assustadoramente indiferentes à fragilidade e à transitoriedade das coisas vivas reais' [1], sobre todas as carcaças repousam os ossos do ofício do nosso tempo.
O modelo global de desenvolvimento exerce uma forte pressão sobre a humanidade e 'o progresso ameaça reduzir a nada o próprio objetivo que presuntivamente deveria realizar – a ideia de homem'. [2] As atuais crises humanitárias deixam milhões de pessoas em condições de vida insustentáveis e 'o êxito do capital consiste apenas em postergar o momento em que se tornará uma necessidade inevitável enfrentar os graves problemas de seu sistema'. [3]
'O caminho no qual vamos acelerando o passo é uma carreira desenfreada para um abismo' [4] e, pelo andar da carruagem, dos esqueletos da Pré-História às cápsulas de Westinghouse rumo ao sétimo milênio, tudo será vestígio.
Tal panorama distópico é o ponto de partida da exposição.
Distopia e utopia existem desde que o homem passou a pensar criticamente. Ambas têm o papel de projetar 'outros lugares' no futuro para regular nossa atividade no presente. Em paralelo, expressões artísticas são modos de experimentação e construção de contextos sociais que também agem como dispositivos de alerta para tomadas de consciência.
Tendo o Rio de Janeiro como cenário particular e universal dessa distopia, exótica periferia do capitalismo global e capital do atraso pós-colonial brasileiro, a exposição explora o 'futuro passado atual' e propõe uma reflexão crítica sobre a realidade e os rumos da humanidade a partir de obras-postais para além da beleza tropical e dos turistas de carnaval.
[1] Jonathan Crary [2] Max Horkheimer [3] István Mészáro [4] Enrique Leff